Nada mudou

Em março desse ano, no Brasil, todo mundo se trancou em casa. As pessoas quiseram se afastar presencialmente do trabalho ou do emprego, evitaram o transporte público e se resguardaram ao máximo. Um vírus que pode ser mortal e que se espalhou de repente e rapidamente causou esse movimento: “Dane-se tudo. O que importa é a minha família e eu estarmos vivos e saudáveis”.

Eu, que tinha acabado de perder meu pai pra morte, também me tranquei. Estava “zero saco” pra vida, pra tudo e todos. Tudo me parecia tão fútil, bobo, sem valor, comparado a dor de ver uma vida amada evaporando da Terra. Complexo, né?

Trancada, acompanhei bem de perto os números e a evolução da pandemia do Coronavírus no país. Começaram a morrer 100 pessoas por dia e a gente lamentava. Morriam 700 e a gente se desesperava. Chegou a 1000 mortos por dia e não tínhamos mais reação. Quando as mortes diárias passavam de 1200, ouvia-se: “É a vida, né! Fazer o quê? Não sou coveiro, quem tiver que morrer vai morrer. Deus sabe de tudo”.

E assim, nos vimos livres da responsabilidade de nos proteger ou proteger os outros, porque a morte está no destino de cada um e quem somos nós pra ir contra o destino das pessoas, não é mesmo? Me pergunto mais, quem somos nós no destino de alguém que não acredita em destino? Fica a reflexão…enfim.

Hoje, eu conheço rostos de mortos pelo covid-19. Nesse mês, me vi tentando ter uma palavra de consolo para pessoas que em março me consolaram quando me vi sem chão ao perder meu pai.

Pra mim, não é algo distante. Tá aí! E independente do destino de cada um, coisa que não nos diz respeito, temos que assumir a responsabilidade pelo bem coletivo e fazer sim a nossa parte.

Sabe o que mudou de março pra cá? Nada. Os números são mais altos, inclusive. Não sou eu quem está dizendo, é o gráfico do Google, olha aí. “Ah, mas a Globo…” o problema não é a Globo, mas sim os relatórios do Governo que é uma zona.

Independente de qualquer coisa, o que eu tenho certeza que aumentou foi o nosso egoísmo em querer viver, acima da vida propriamente. “Eu quero é ver quem eu amo, quero estar perto de quem sinto saudade. Quero ver meus pais, meus avós… Que se dane esse vírus” – as pessoas falam.

“Ah, que saudade, né minha filha? Só você tá sofrendo.”

Não é o vírus que se dane. É a gente que se dana. E quem aparece por aí chorando a morte de um ente querido, não é porque o próprio ente querido não se cuidou, mas sim porque se contaminou e a essa altura, não importa como, quando, onde e o porquê.

Se tivesse escrito na testa das pessoas: quem tem vírus; quem não tem; quem tem sintomas; quem não tem; quem morre; e quem não morre; o Coronavírus não teria se tornado uma pandemia. A gente não sabe nada. Então, continue se cuidando. O risco não mudou. O que mudou foi o nosso medo em relação ao risco, e ter perdido ele é um perigo para nós mesmos. 

Por fim, estar distante fisicamente não significa não estar presente. Muito pelo contrário. Se aproxime de quem você ama, se faça presente, mas acima de tudo, não seja egoísta ao querer saciar sentimentos individuais. Respeite a vida e a saúde dessas pessoas que você afirma amar.